Uma das prioridades legislativas do governo federal este
ano é a aprovação do projeto de lei que dá aos cartórios o poder de cobrar
dívidas, o que hoje é feito pelos oficiais de justiça. O PL 6.204/2019, da
senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), aguarda votação na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) e está na lista prioritária do governo Lula.
O projeto de lei cria a execução extrajudicial de
dívidas, que passaria a ser uma das atribuições dos tabeliães de protesto. O
texto "desjudicializa" parte das execuções civis, que são as
cobranças de obrigações não cumpridas pelos devedores. O objetivo é facilitar e
tornar mais rápida a cobrança de dívidas, desafogando o Judiciário, ou seja,
aliviar a sobrecarga de processos judiciais e tornar a execução civil mais
rápida e eficaz.
De acordo com o relatório Justiça em Números 2024, do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Judiciário brasileiro tem aproximadamente
84 milhões de processos em andamento.
“A desjudicialização dos títulos executivos
extrajudiciais e judiciais condenatórios de pagamento de quantia certa
representará uma economia de R$ 65 bilhões para os cofres públicos. Objetivando
simplificar e desburocratizar a execução de títulos executivos civis e, por
conseguinte, alavancar a economia do Brasil, propõe-se um sistema normativo
novo, mas já suficientemente experimentado, com êxito no direito estrangeiro”,
afirma a senadora na justificação do projeto.
Lentidão
Em sua proposta, Soraya cita números do CNJ, segundo os
quais as execuções civis representam 17% de todas as demandas em tramitação na
Justiça. Em média, essa tramitação leva 4 anos e 9 meses e, de cada 100
processos, em apenas 15, aproximadamente, a cobrança é bem-sucedida.
"Diante deste cenário caótico, não é difícil
concluir que os impactos negativos econômicos são incalculáveis, na exata
medida em que bilhões em créditos anuais deixam de ser satisfeitos, impactando
diretamente o crescimento nacional", analisa a senadora.
O PL 6.204/2019 chegou ao Plenário do Senado para votação
em 2022, quando recebeu relatório do senador Marcos Rogério (PL-RO), mas acabou
retornando para análise da CCJ. Em seu voto, o senador propôs que o credor
possa escolher se quer cobrar a dívida na Justiça ou no cartório.
Simplificação
O projeto busca simplificar e desburocratizar a cobrança
de títulos executivos civis ao propor um novo sistema ao ordenamento jurídico
brasileiro, mas já aplicado e bem sucedido em outros países, especialmente na
União Europeia, segundo a autora. O texto cria a figura do agente de execução
de títulos judiciais e extrajudiciais para atuar e resolver as demandas nos
cartórios de protesto, desafogando o Poder Judiciário e desonerando os cofres
públicos.
Títulos
Os cartórios de protesto são aqueles que recebem as
reclamações de contas, cheques, notas promissórias e outros documentos não
pagos, intimam os devedores e, caso não quitem a dívida, registram o protesto.
O título é então informado às instituições protetoras do crédito, como SPC e
Serasa. Para limpar o nome e ter acesso a empréstimos e outros financiamentos,
a pessoa deve pagar a dívida e a taxa do cartório. Esses são títulos
extrajudiciais.
No entanto, muitos endividados não pagam e permanecem com
o nome sujo. Nesse caso, o credor deve recorrer à Justiça para tentar receber
seu dinheiro. São os títulos judiciais.
O problema é que essas ações de execução na Justiça são
lentas, caras, numerosas e, às vezes, mesmo ganhando a causa, o devedor não tem
patrimônio para arcar com a dívida e o cobrador termina não recebendo.
Como se não bastasse toda a burocracia, esses processos
abarrotam o Judiciário, que lida com um volume acumulado de 13 milhões de
processos desse tipo, custando aos cofres públicos pelo menos R$ 65 bilhões,
segundo estimativas registradas no projeto de Soraya.
Regras
O projeto retira do Judiciário a tramitação da execução
de títulos extrajudiciais e o cumprimento de sentença condenatória em quantia
certa, delegando-a a um tabelião de protesto que deve atuar segundo o Código de
Processo Civil. O tabelião é um profissional concursado, remunerado de acordo
com os emolumentos fixados por lei e que tem atuação fiscalizada pelo CNJ e
pelas corregedorias estaduais.
Não poderá usar esse novo instrumento quem for incapaz,
condenado preso ou internado, pessoas jurídicas de direito público, a massa
falida e o insolvente civil (que tem dívidas maiores que seu patrimônio). O
credor deverá ser representado por um advogado, que poderá ser gratuito se ele
for considerado carente (hipossuficiente).
O procedimento executivo extrajudicial inicia-se com a
apresentação do título protestado ao agente de execução, que deverá citar o
devedor para pagamento em cinco dias, sob pena de penhora, arresto e alienação.
O título executivo judicial somente será apresentado ao agente de execução após
o transcurso do prazo de pagamento e impugnação.
Será suspensa a execução na hipótese de não localização
de bens suficientes para a satisfação do crédito e, se o credor for pessoa
jurídica, o agente de execução lavrará certidão de insuficiência de bens
comprobatória das perdas no recebimento de créditos, o que inibirá o
ajuizamento de milhares de ações de execução, diz Soraya no texto.
Contraditório
Pelo projeto, o devedor terá direito ao contraditório e à
ampla defesa, podendo fazê-lo para tirar dúvidas, impugnar atos praticados pelo
agente de execução que possam prejudicá-lo ou por embargos à execução, opostos
ao juiz de direito competente.
O agente de execução conduzirá todo o procedimento e,
sempre que necessário, consultará o juízo competente sobre dúvidas levantadas
pelas partes ou por ele próprio, e poderá requerer providências coercitivas. As execuções de sentenças de pagamento de pensão alimentícia
continuarão a tramitar na Justiça, obrigatoriamente.
Capacitação
O CNJ e os tribunais, em conjunto com os tabeliães de
protesto por meio de sua entidade representativa nacional, promoverão a
capacitação dos agentes de execução, dos seus representantes e dos
serventuários da Justiça e elaborarão modelo-padrão de requerimento de execução
para encaminhamento eletrônico aos agentes de execução.
Também caberá ao CNJ e aos tribunais definir tabelas de
emolumentos (remuneração dos serviços notarial e de registro) em percentuais
sobre a quantia da execução, assim como disponibilizar aos agentes de execução
acesso a todos os termos, acordos e convênios fixados com o Poder Judiciário
para consulta de informações, denominada de “base de dados mínima obrigatória”.
Entidades representativas
O Senado recebeu várias manifestações oficiais de
entidades sobre o projeto. A Associação dos Notários e Registradores do Brasil
(Anoreg), por exemplo, é favorável à aprovação do projeto, assim como o
Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil (IEPTB).
Outras entidades manifestaram-se contra o texto, como a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Nacional dos Oficiais de
Justiça Avaliadores Federais, a Federação Nacional dos Trabalhadores do
Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe), além de entidades
estrangeiras como a Unión de Empleados de la Justicia de la Nación,
da Argentina. O projeto já recebeu 25 emendas de senadores e senadoras.